quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mentiras de julho

Silêncio interrompido constantemente por conversas e risadinhas fora de hora, lápis rabiscando uma ou outra anotação no caderno e todos os olhos voltados, apreensivos, ao relógio quando, finalmente:

"Pééééééééééééééééééééé! " - o sinal da última aula instaura a anarquia na sala!

Enquanto uns gritam comemorando a chegada das férias, outros atiram bolinhas de papel nos colegas. Num canto, Juliana escreve recadinhos no caderno de Sofia, no corredor, entre as carteiras, alguns meninos simulam golpes de luta que, provavelmente, são reproduzidos muito melhor em suas imaginações, e aos poucos, o silêncio vai se restabelecendo com o último anúncio oficial do semestre: a entrega das lições.

"- Lições de Férias?" - é a reação de cada aluno ao receber a triste notícia.

E esta é a primeira das muitas mentiras que o mês de julho nos conta.

Como podem chamar de férias um período com obrigações diárias?

"- Uma de português e outra de matemática - totalizando 60! Façam uma de cada matéria diariamente e não pesará tanto." instruía o professor.

Em situações como esta, em que a possibilidade "não fazer" inexiste - quer fosse pela vigilância dos meus pais ou pelo meu senso de responsabilidade e amor à vida, só restavam 3 alternativas:

1) Fazer tudo nos primeiros dias e livrar-se dos compromissos para depois relaxar por completo, retornando quase enjoado de descansar;
2) fazer uma tarefa por dia conforme o proposto, inclusive para não esquecer dos conteúdos, balanceando o dia em lazer e compromisso;
3) esquecer que existem tarefas até o penúltimo dia de férias e passar os últimos dois dias quase sem dormir pra terminar tudo, voltando às aulas ainda mais cansado.

Acho que não preciso dizer o que eu, e acredito que 99% dos meus colegas fazíamos, né?

Imagina só você com suas férias marcadas, depois de um ano de dedicação diária e chega seu chefe:

" Sr Carlos, o senhor fez um excelente trabalho em nossa empresa neste último ano, merece agora descansar um pouco, né?
Quando é mesmo que vai tirar os 30 dias? Julho? Ótimo, ótimo...
Mas olha só, um mês longe das atividades pode fazê-lo esquecer de como trabalhamos então, ao invés de 8h, o senhor deverá vir todos os dias por 2h e trabalhar nos nossos relatórios."

"..."
  
Mais interessante ainda eram as capas destes calhamaços. Geralmente, ilustrados por flocos ou bonecos de neve, patins de gelo, esqui...segunda mentira de julho!
Porque eu não sei você, mas eu nunca passei estas férias na neve. Em São Paulo faz frio, é verdade. Mas nunca pra tanto!
E mesmo que fosse para o exterior - o que nunca foi o caso - julho não é o mês de verão?

O mais próximo de inverno com gelo que cheguei foi em Campos do Jordão, quando nem era um destino tão badalado e, portanto, ninguém achava normal pagar R$50 pra ver ensaio do Festival de Inverno. Ao contrário, íamos de graça ao evento principal (tudo bem que muitas vezes para ouvir música experimental, que aos nossos ouvidos leigos mais parecia efeito sonoro).

O fato é que nesta cidade, em um julho qualquer, descobri um rinque de patinação no gelo (mantido artificialmente, claro). E como qualquer criança curiosa quis "patinar" em todos os invernos que este "brinquedo" aparecia. Deixemos os detalhes desta experiência pra lá. O importante aqui é ficar claro que com isto, os patins de gelo, mas somente eles, ficaram justificados na capa das minhas lições.

Mas naquele ano, meu pai não tinha tirado férias e estava no Rio de Janeiro a trabalho. E assim fomos todos nós: minha mãe, meu irmão e eu, encontrá-lo e nos amontoar em um apart hotel no Rio, que em julho, não tem nada de 40º.

Ganhamos muito com isto já que, com a temperatura mais amena, conseguimos fazer todos os passeios de turista sem sofrimento. De taxi, de ônibus...foi uma delícia. Corcovado, Pão de Açúcar, Arcos da Lapa, as praias, os cariocas...foi a primeira vez na vida que pensei em morar na praia.

Nesta fase eu já não tinha 60 tarefas pra fazer, era uma praticamente adolescente. Tinha somente uma redação de tema livre. E não sei bem se foi a viagem pra um destino novo, as praias e as belezas naturais do Rio, que sempre foi e será lindo, ou o apart-hotel que, apesar de apertado para os 4, era perfeitamente possível e aconchegante para uma pessoa e me fez pular anos à frente imaginando que na vida adulta moraria lá facilmente, que me inspirou.

Mas aconteceu que os meus costumazes temas "minhas férias", "minha viagem", "minha família", "meu cachorro" deram lugar para outro tipo de texto. Um descritivo, que acompanhava o crescimento de uma flor. Um hibisco pra ser mais precisa. Usei parágrafos intermináveis com todos os vocábulos que conhecia para descrever minuciosamente desde a semente na terra até o desabrochar em flor. Por fim, a flor era arrancada e lançada em cima de um caixão. "E assim apodreceria com a pessoa lá enterrada".

Mórbido? Obscuro? De mau gosto? Revelando um momento de transição? Vai saber...

A única coisa que sei é que esta foi a primeira e última redação que me rendeu um 10! E que me levou à maior de todas as mentiras: a de que eu poderia escrever.

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