Era aquele típico final de mês. Sem dinheiro, sem saco, sem
nada pra comer. Saí do meu quartinho jurando chutar quem quer que cruzasse o
meu caminho, no corredor daquele pensionato. Contava as moedas, torcendo para
que, com sorte, eu conseguisse comprar Doritos,
já que não queria disputar um fogareiro de duas bocas com 30 mulheres. Não
fosse por isso, teria optado por um miojo e menos 3 minutos enfadonhos daquele
fim de semana que se arrastava.
Eu me xingava mentalmente. Me perguntava o quê, afinal, eu
tinha ido fazer naquela cidade. Ganhava mal, morava mal e me sentia estagnada.
Eu havia entendido o que era virar adulta e não achava a menor graça nisso. Ter
todo o direito de ir e vir, mas, afinal, pra onde?
É engraçado perceber como certas situações se repetem e se
adaptam a novos personagens. Tinha saído de uma casa onde moravam 6 - cada qual com seu gosto musical, seus horários
e manias - para morar sozinha e desfrutar do silêncio da “capital do meu país”.
Eis que acabo em um pensionato com 30. Mulheres de todas as idades, culturas,
horários, manias que se separavam de mim
apenas por paredes finas de compensado e disputavam o mesmo varal e o mesmo
banheiro.
Uma dinâmica de almoço havia sido estabelecida aos sábados.
Um grupo era responsável por comprar mantimentos, outro, por cozinhar, e o
último, por arrumar a cozinha. Nenhuma das ideias me agradava. Não fazia parte
do meu plano de morar sozinha, criar uma rotina doméstica com quem quer que fosse,
e aquilo me enfurecia. Especialmente porque, depois de eu explicar mais de 20
vezes os meus motivos, vários grupos se
revezavam na minha porta até me convencer a fazer parte da reunião.
Era inverno, e como a gente havia extrapolado na noite
anterior, a Genecelda, uma gerente nada bem humorada, havia desligado a força
na hora do banho. Eu estava de mau humor. Muito mau humor. Cruzei a rua pedindo
para não encontrar com um grupo de pessoas carentes, que moravam em um abrigo
mantido pelo pensionato. Havia preparado um discurso e estava pronta para
usá-lo. Não daria nada. Trabalhava muito e mal conseguia comer. Que varressem
uma calçada, cortassem um jardim. Aquelas coisas que passam pela nossa cabeça
quando não estamos precisando de emprego.
Atravesso a rua com o pulso cerrado. Não que fosse usá-lo
pra golpear alguém, mas, talvez um sinal inconsciente do meu corpo de sinalizar
aos presentes que eu não estava pra conversa. Apertei o passo e não olhei
para eles, que agora começavam a cantar, em volta de uma fogueira.
Dois e cinquenta, dois e sessenta, dois e sessenta e cinco.
Deu. Abro o pacote ali mesmo e começo a devorar 3 salgadinhos por vez. Sinto um
leve alívio, que logo se transforma em um “grande soco” no estômago , assim que
piso novamente fora do mercado. Olho para o grupo de novo. E, dessa vez eles me
veem. Começo a ensaiar a minha fala, mas meus pensamentos são interrompidos.
- Ei, moça – o mais velho deles grita.
(Pqp, é agora que eu...)
- Quer cear com a gente? (“Cear “foi a palavra empregada. Acredite
se quiser).
- N..n..não, obrigada.
- Não mesmo? Hoje conseguimos pão e até um vinho.
As lágrimas escorrem. Já não penso mais, apenas continuo
andando.
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